“Acordo de Leniência não é Acordo de Colaboração Premiada”
A Colaboração Premiada tem base legal diversa do Acordo de Leniência e a observação da forma e do rito são requisitos essenciais para a eficácia da cooperação.
A observação da formalidade constitui "garantias do acusado e limites de poder".
Com essa análise o Desembargador Convocado pelo Superior Tribunal de Justiça, Olindo Menezes, determinou o trancamento da ação penal por ausência de justa causa em decorrência da ineficácia da colaboração premiada:
Em última análise, deve-se garantir que não ocorra a situação onde a ameaça de possível prisão (cautelar ou em virtude de condenação definitiva) pressione imputados delatados em prévio "acordo empresarial" (no qual eventualmente vai constar a cúpula gestora da sociedade) a aderir à uma verdadeira "colaboração por arrastamento", sob pena de macular a voluntariedade necessária à avença e, por consequência, a própria ação penal daí decorrente.
10. Diante do reconhecimento da ineficácia do acordo de colaboração premiada celebrado entre o Ministério Público e a empresa colaboradora, nulos também são os termos de adesão ao referido acordo. Restando nulificadas as "colaborações premiadas por adesão", e como aparentemente os referidos acordos restaram isoladas nos autos, sem notícia de outros elementos de convicção a instruir a denúncia, de rigor o trancamento da ação penal, por ausência de justa causa. Precedentes. Prejudicadas as demais teses defensivas.
A denúncia imputou supostos crimes de Organização Criminosa e Lavagem de Bens e Valores e o previsto no artigo 1º, § 1º, II, da Lei 9.613/1998:
Art. 1o Ocultar ou dissimular a natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente, de infração penal.
§ 1o Incorre na mesma pena quem, para ocultar ou dissimular a utilização de bens, direitos ou valores provenientes de infração penal:
II - os adquire, recebe, troca, negocia, dá ou recebe em garantia, guarda, tem em depósito, movimenta ou transfere;
No caso em análise, ex-executivos da empresa assinaram o Termo de Adesão atrelado a um Acordo de Colaboração Premiada entre a pessoa jurídica e o Ministério Público.
O impetrante do Habeas Corpus argumentou que o acordo de colaboração premiada foi celebrado entre o Ministério Público e pessoa jurídica de direito privado, alegando constrangimento ilegal por violação à voluntariedade característica do acordo de colaboração, na forma do que expõe o art. 4º, caput, da Lei 12.850/13.
O Tribunal de Justiça havia confirmado a possibilidade afirmando que "a pessoa jurídica é sujeito de direitos e, bem por isso, tem capacidade e autonomia para firmar compromissos e agir de per si voluntariamente, podendo, assim, celebrar o acordo de colaboração premiada".
No entanto, o Superior Tribunal de Justiça esclareceu que não se trata de se a pessoa jurídica é ou não sujeito de direitos ou tem capacidade e autonomia, mas, especificamente, se é possível "celebrar acordo de colaboração premiada, na área penal, nos termos da Lei 12.850, de 02/08/2013, admitindo crimes praticados pelos seus executivos, menos ainda com aptidão para dar arrimo à propositura de uma ação penal, o que sequer é admitido pelo colaborador pessoa física (Lei 12.850/2013 - art.4º, § 16, II)".
E concluiu:
Como não se mostra possível o enquadramento de pessoa jurídica como investigada ou acusada no tipo de crime de organização criminosa, também não seria licito qualificá-la como ente capaz de celebrar o acordo colaboração premiada, menos ainda em relação aos seus dirigentes, aos quais pertence essa opção personalíssima.
Ainda, pontuou a limitação responsabilidade penal da pessoa jurídica, como em caso de ilícitos de natureza ambiental, afirmando que "a lei se refere realmente apenas ao imputado pessoa física".
A situação não se trata do acordo de leniência, que prevê a possibilidade de celebração pela pessoa jurídica, como esclarecido pela Corte. Com destaque para o artigo 86 da Lei 12.529/2011 e o artigo 16 da Lei 12.846/2013, respectivamente:
Art. 86 O Cade, por intermédio da Superintendência-Geral, poderá celebrar acordo de leniência, com a extinção da ação punitiva da administração pública ou a redução de 1 (um) a 2/3 (dois terços) da penalidade aplicável, nos termos deste artigo, com pessoas físicas e jurídicas que forem autoras de infração à ordem econômica, desde que colaborem efetivamente com as investigações e o processo administrativo e que dessa colaboração resulte.
Art. 16 A autoridade máxima de cada órgão ou entidade pública poderá celebrar acordo de leniência com as pessoas jurídicas responsáveis pela prática dos atos previstos nesta Lei que colaborem efetivamente com as investigações e o processo administrativo, sendo que dessa colaboração resulte.
O Desembargador afirmou:
Acordo de leniência não é acordo de colaboração premiada!
E trouxe o entendimento do Supremo Tribunal Federal nesse sentido:
Por seu Plenário, em voto da relatoria do Ministro Dias Toffoli, nos autos do HC 127.483/PR, assentou o entendimento de que a colaboração premiada, para além de técnica especial de investigação, é negócio jurídico processual personalíssimo, pois, por meio dele, se pretende a cooperação do imputado para a investigação e para o processo penal, o qual poderá redundar em benefícios de natureza penal premial, sendo necessário que a ele se aquiesça, voluntariamente, que esteja no pleno gozo de sua capacidade civil, e consciente dos efeitos decorrentes de sua realização (APn 843/DF, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, CORTE ESPECIAL, julgado em 06/12/2017, DJe 01/02/2018)
E, no acórdão, deixou clara a indignação:
Importante reparar que o documento de fls. 35-42, intitulado de "acordo de colaboração premiada", em verdade, traz uma verdadeira miscelânea de leis e objetivos contratuais difusos, que mais parece ser um outro instituto não previsto em nenhuma lei que se tenha notícia.
[...]
Maior perplexidade exsurge, ainda, que no mesmo trato se poderia cogitar de incursões em diversas áreas, seja penal, administrativa ou cível [...]
Portanto, não podendo identificar se se trata de colaboração premiada ou acordo de leniência, consignou a necessidade de maior cautela quanto as esferas penal e processual penal:
A interpretação das leis penais e processuais penais merece relevante atenção, por tratarem, em maior ou menor extensão, do direito de liberdade do cidadão. Daí que essas normas, salvo se para beneficiar o investigado/acusado, ou em casos de normas efetivamente sem conteúdo penal, devem ser interpretadas de maneira a obedecer ao máximo o princípio da legalidade, sem extensões ou restrições em seu conteúdo.
Citando Nefi Cordeiro, acrescenta:
Como regra determinadora da ação pública, é a legalidade o primado limitador de qualquer agente público, em qualquer procedimento funcional. O princípio constitucional da legalidade é repetido em todos os ramos do direito público e vem ao direito penal e processual penal com o prisma da interpretação estrita (Colaboração Premiada - Caracteres, Limites e Controles. Rio de Janeiro: Forense, 2020. Página 57)
Por fim, afirmou que não houve garantia de que a ameaça de possível prisão dos réus delatados em prévio acordo tenha sido utilizada como pressão para adesão ao que chama uma verdadeira "colaboração por arrastamento".
Identificando a violação à voluntariedade necessária ao acordo, o Desembargador anulou todas as provas derivadas do acordo e dos termos de adesão, determinando o trancamento da ação penal.
- Colaboração Premiada
Lei 12.850/2013
Lei 7.492/1986 - art. 25, § 2º
Lei 8.137/1990 - art. 16, parágrafo único
Lei 9.613/1998 - art. 1º, § 5º
Lei 9.807/1999 - art. 13
Lei 11.343/2006 - art. 41
- Acordo de Leniência
Lei 12.846/2013
Lei 12.529/2011