Prisão Preventiva em Crimes de Lavagem de Dinheiro

02/10/2024

A prisão preventiva é uma segregação cautelar decretada ao investigado/acusado para que não responda ao procedimento criminal em liberdade.

Pode ser decretada pelo Juízo quando houver prova da existência do crime e indícios de autoria, a pedido do Delegado ou do Ministério Público, para garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal ou para assegurar a aplicação da lei penal, sendo essencial que a liberdade do investigado possa gerar algum perigo.

A decisão deve ser devidamente fundamentada, conforme prevê o art. 312, § 2º do Código de Processo Penal:

A decisão que decretar a prisão preventiva deve ser motivada e fundamentada em receio de perigo e existência concreta de fatos novos ou contemporâneos que justifiquem a aplicação da medida adotada.

Os motivos para fundamentação, previstos no caput do art. 312, são mais bem explicados por Fenando Capez:

a) Garantia da ordem pública: a prisão cautelar é decretada com a finalidade de impedir que o agente, solto, continue a delinquir, ou de acautelar o meio social, garantindo a credibilidade da justiça, em crimes que provoquem grande clamor popular.
b) Conveniência da instrução criminal: visa impedir que o agente perturbe ou impeça a produção de provas, ameaçando testemunhas, apagando vestígios do crime, destruindo documentos etc. Evidente aqui o periculum in mora, pois não se chegará à verdade real se o réu permanecer solto até o final do processo.
c) Garantia da aplicação da lei penal: no caso de iminente fuga do agente do distrito da culpa, inviabilizando a futura execução da pena. Se o acusado ou indiciado não tem residência fixa, ocupação lícita, nada, enfim, que o radique no distrito da culpa, há um sério risco para a eficácia da futura decisão se ele permanecer solto até o final do processo, diante da sua provável evasão.
(In Curso de processo penal. 17ª. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 323/324).(g.N.)

Da leitura se percebe que deve ser clara a gravidade e riscos estampados no caso em análise para fundamentar uma prisão.

Outros pressupostos importantes estão previstos no artigo 313 e incisos:

Art. 313. Nos termos do art. 312 deste Código, será admitida a decretação da prisão preventiva: (Redação dada pela Lei nº 12.403, de 2011).
I - nos crimes dolosos punidos com pena privativa de liberdade máxima superior a 4 (quatro) anos; (Redação dada pela Lei nº 12.403, de 2011).
II - se tiver sido condenado por outro crime doloso, em sentença transitada em julgado, ressalvado o disposto no inciso I do caput do art. 64 do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal; (Redação dada pela Lei nº 12.403, de 2011).
III - se o crime envolver violência doméstica e familiar contra a mulher, criança, adolescente, idoso, enfermo ou pessoa com deficiência, para garantir a execução das medidas protetivas de urgência;

Analisando artigo 1º da Lei nº 9.613/98, que trata dos crimes de lavagem de capitais e ocultação de bens, em conjunto com as diretrizes que admitem a prisão preventiva, pode-se perceber que a pena máxima supera os 4 anos – as penas são de reclusão de 3 a 10 anos e multa – portanto, de início, caberia a prisão preventiva.

No entanto, esse único requisito preenchido não é suficiente para decretação da prisão.

Tampouco o requisito da reincidência constante no inciso II é suficiente, de per si, para determinação da privação de liberdade.

Isso porque prender é exceção no ordenamento jurídico e só é cabível se outras medidas cautelares não forem suficientes.

Observe o que dispõe o art. 282, § 6º, do CPP nesse sentido:

§ 6º A prisão preventiva somente será determinada quando não for cabível a sua substituição por outra medida cautelar, observado o art. 319 deste Código, e o não cabimento da substituição por outra medida cautelar deverá ser justificado de forma fundamentada nos elementos presentes do caso concreto, de forma individualizada.

As medidas cautelares estão previstas no art. 319 do CPP:

Art. 319. São medidas cautelares diversas da prisão: (Redação dada pela Lei nº 12.403, de 2011).
I - comparecimento periódico em juízo, no prazo e nas condições fixadas pelo juiz, para informar e justificar atividades; (Redação dada pela Lei nº 12.403, de 2011).
II - proibição de acesso ou frequência a determinados lugares quando, por circunstâncias relacionadas ao fato, deva o indiciado ou acusado permanecer distante desses locais para evitar o risco de novas infrações; (Redação dada pela Lei nº 12.403, de 2011).
III - proibição de manter contato com pessoa determinada quando, por circunstâncias relacionadas ao fato, deva o indiciado ou acusado dela permanecer distante; (Redação dada pela Lei nº 12.403, de 2011).
IV - proibição de ausentar-se da Comarca quando a permanência seja conveniente ou necessária para a investigação ou instrução; (Incluído pela Lei nº 12.403, de 2011).
V - recolhimento domiciliar no período noturno e nos dias de folga quando o investigado ou acusado tenha residência e trabalho fixos; (Incluído pela Lei nº 12.403, de 2011).
VI - suspensão do exercício de função pública ou de atividade de natureza econômica ou financeira quando houver justo receio de sua utilização para a prática de infrações penais; (Incluído pela Lei nº 12.403, de 2011).
VII - internação provisória do acusado nas hipóteses de crimes praticados com violência ou grave ameaça, quando os peritos concluírem ser inimputável ou semi-imputável (art. 26 do Código Penal) e houver risco de reiteração; (Incluído pela Lei nº 12.403, de 2011).
VIII - fiança, nas infrações que a admitem, para assegurar o comparecimento a atos do processo, evitar a obstrução do seu andamento ou em caso de resistência injustificada à ordem judicial; (Incluído pela Lei nº 12.403, de 2011).
IX - monitoração eletrônica. (Incluído pela Lei nº 12.403, de 2011).

São medidas que substituem a prisão preventiva, então, o juízo a substitui por medidas cautelares diversas da prisão.

Ocorre que no delito de lavagem de capitais a investigação normalmente apura outros crimes, como organização criminosa, evasão de divisas, fraude em licitação, falsidade ideológica etc.

Em se tratando de organização criminosa o Supremo Tribunal Federal entende que "a necessidade de se interromper ou diminuir a atuação de integrantes de organização criminosa enquadra-se no conceito de garantia da ordem pública, constituindo fundamentação cautelar idônea e suficiente para a prisão preventiva" (STF, HC n. 95.024/SP, relatora Ministra Cármen Lúcia, Primeira Turma, DJe 20/2/2009).

No entanto, se o crime antecedente ou o indício deste for, por exemplo, somente a sonegação fiscal, a prisão preventiva raramente é decretada, por ausência de fundamentos suficientes para tanto.

O que se percebe na advocacia criminal é a má utilização da prisão preventiva. Muitas revogações de prisão são determinadas pelos Tribunais em habeas corpus, justamente pela ausência de requisitos para preventiva e ausência de fundamentação. Outras, infelizmente, são mantidas, mesmo sem que o réu apresente qualquer perigo, possibilidade de reiteração ou risco de não responder ao processo.

O Ministro Eros Grau, em decisão datada de 2008, mas que permanece hígida, vota pela prisão preventiva como exceção:

A prisão preventiva em situações que vigorosamente se não a justifiquem equivale a antecipação da pena, sanção a ser no futuro eventualmente imposta, a quem a mereça, mediante sentença transitada em julgado. A afronta ao princípio da presunção de não culpabilidade, contemplado no plano constitucional (Art. 5º, LVII, da Constituição do Brasil), é, desde essa perceptiva, evidente. Antes do trânsito em julgado da sentença condenatória a regra é a liberdade; a prisão, a exceção. Aquela cede a esta em casos excepcionais. É necessária a demonstração de situações efetivas que justifiquem o sacrifício da liberdade individual em prol da viabilidade do processo. (https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=570249)

Mais um ponto importante mencionado pelo Ministro: o caráter de pena antecipada se concretiza com a prisão preventiva decretada indevidamente, violando o princípio da presunção de inocência.

Não bastasse, temos o Estado de Coisas Inconstitucional do Sistema Prisional reconhecido na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 347:

[...] celas superlotadas, imundas e insalubres, proliferação de doenças infectocontagiosas, comida intragável, temperaturas extremas, falta de água potável e de produtos higiênicos básicos, homicídios frequentes, espancamentos, tortura e violência sexual contra os presos, praticadas tanto por outros detentos quanto por agentes do Estado, ausência de assistência judiciária adequada, bem como de acesso à educação, à saúde e ao trabalho. Enfatiza estarem as instituições prisionais dominadas por facções criminosas. Salienta ser comum encontrar, em mutirões carcerários, presos que já cumpriram a pena e poderiam estar soltos há anos.

Embora tomadas algumas providências, como a audiência de custódia, a vedação ao contingenciamento de recursos do FUNPEN, a Resolução nº 474/202212 do Conselho Nacional de Justiça e a Súmula Vinculante nº 56, são pequenos avanços que não suprem a tortura física e mental vivida nos ergástulos.

No "Relatório sobre medidas destinadas a reduzir o uso da prisão preventiva nas Américas" apresentado em 2017 pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) foi consignado, sobre os Direitos das Pessoas Privadas de Liberdade, pelo Relator Comissionado James Cavallaro, que:

O uso excessivo da prisão preventiva constitui um problema estrutural inaceitável em uma sociedade democrática que respeita o direito de toda pessoa à presunção de inocência e representa uma prática contrária à própria essência do estado de direito e aos valores que inspiram uma sociedade democrática.

No Guia Prático para Reduzir a Prisão Preventiva https://www.oas.org/pt/cidh/relatorios/pdfs/GUIA-PrisaoPreventiva.pdf) constam como medidas prioritárias a "Diminuição da excessiva aplicação da prisão preventiva" e a "Erradicação do uso da prisão preventiva como pena antecipada".

Voltando ao tema, é possível decretar a prisão preventiva em apuração do crime de lavagem de capitais desde que as medidas cautelares diversas da prisão não sejam suficientes e desde que a decisão seja devidamente fundamentada.

A fundamentação precisa individualizar a conduta e demonstrar o perigo que possa causar a liberdade da pessoa.

  • E como os Tribunais estão decidindo?

Em se tratando de crime de lavagem de capitais cometidos por organizações criminosas é comum a manutenção da prisão preventiva em sede de habeas corpus, mas sempre dependerá da análise do caso específico.

Por exemplo, o Superior Tribunal de Justiça revogou uma prisão preventiva, com a seguinte fundamentação:

Na espécie, ao recorrente foram imputados apenas os crimes de organização criminosa e lavagem de dinheiro, dos quais não se extrai violência e grave ameaça; não ocupa ele posição de destaque no grupo criminoso; além do que militam em seu favor condições pessoais favoráveis, tais como primariedade e bons antecedentes. Sopesa-se, ainda, a alegação defensiva de que o recorrente possui filho menor de 12 anos que depende de seus cuidados - em razão do grave estado de saúde de sua esposa -, bem como o tempo de prisão provisória, na medida em que informações prestadas pelo Juízo de primeiro grau noticiam que ele se encontra custodiado desde 16/5/2022, ou seja, há cerca de 1 ano e 4 meses. Sendo assim, mostra-se excepcionalmente suficiente, para os fins acautelatórios pretendidos, a imposição de medidas outras que não a prisão.
(RHC n. 175.115/MT, relator Ministro Antonio Saldanha Palheiro, Sexta Turma, julgado em 19/9/2023, DJe de 22/9/2023.)

Veja que os detalhes cerca da conduta somados a situação pessoal do acusado e ao tempo excessivo em que esteve preso preventivamente foram utilizados para revogação da prisão preventiva.

Noutro caso interessante o STJ decidiu que o fato de a denúncia afirmar que se trata de organização criminosa não é suficiente para decretação da prisão, observe:

1. A segregação cautelar é medida de exceção, devendo estar fundamentada em dados concretos, quando presentes indícios suficientes de autoria e provas de materialidade delitiva e demonstrada sua imprescindibilidade, nos termos do art. 312 do CPP.
2. Conquanto os tribunais superiores admitam a prisão preventiva para interrupção da atuação de integrantes de organização criminosa, a mera circunstância de o agente ter sido denunciado em razão dos delitos descritos na Lei n. 12.850/2013 não justifica a imposição automática da custódia, devendo-se avaliar a presença de elementos concretos, previstos no art. 312 do CPP, como o risco de reiteração delituosa ou indícios de que o grupo criminoso continua em atividade.
3. As condições pessoais favoráveis do agente, ainda que não garantam eventual direito à soltura, merecem ser devidamente valoradas quando não for demonstrada a real indispensabilidade da medida constritiva.
4. É desproporcional a imposição de prisão preventiva quando é possível assegurar o meio social e a instrução criminal por medidas cautelares alternativas previstas no art. 319 do CPP. (AgRg no RHC n. 159.644/RJ, relator Ministro Jesuíno Rissato (Desembargador Convocado do Tjdft), relator para acórdão Ministro João Otávio de Noronha, Quinta Turma, julgado em 21/6/2022, DJe de 29/6/2022.)

Em crime contra a ordem tributária e lavagem de capitais envolvendo criptomoedas o STJ afastou a necessidade de prisão preventiva por entender cabíveis as medidas cautelares diversas da prisão assentando que:

"É desproporcional a imposição de prisão preventiva quando é possível assegurar o meio social e a instrução criminal por medidas cautelares alternativas previstas no art. 319 do CPP." (AgRg no RHC n. 159.644/RJ, relator Ministro Jesuíno Rissato (Desembargador Convocado do Tjdft), relator para acórdão Ministro João Otávio de Noronha, Quinta Turma, julgado em 21/6/2022, DJe de 29/6/2022.)

Mais uma vez ausente a fundamentação necessária para a decretação da prisão preventiva no juízo de origem. Não é considerado fundamento se serve para qualquer decisão ou tem base na gravidade abstrata do delito.

E, mesmo preenchidos os requisitos mínimos para prisão ela pode não ser cabível, a depender do caso concreto.

Além disso, todas as medidas, seja a prisão, sejam as cautelares diversas da prisão, precisam de um prazo razoável de duração, por isso, é preciso ficar atento também ao excesso de prazo e, se constatado, deve ser alegado em sede habeas corpus.


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